terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Seminovos corações

Do meu livro de gramática da 8ª série:

"Quem diz seminovo diz semivelho, mas aí é que está a beleza da língua, e o dom de iludir: quem ouve seminovo não ouve semivelho. É só reparar no corpo, nas curvas, na pele das palavras - uma tem viço e alegria, a outra é encarquilhada e cinza - para concluir que esse papo de sinônimo é muito relativo. Um copo meio cheio é um copo meio vazio, não há como rebater essa lógica, tudo bem. Mas entre um copo meio cheio e um copo meio vazio cabe o mundo inteiro: muitas doses de esperança ou desencanto. No caso do seminovo, esperança de quem compra aquela Brasília 77 anunciada a bordo do promissor adjetivo que substituiu de vez o "velho" usado nos classificados de automóveis, e desencanto de quem, já proprietário da carroça, tem que dirigi-la com cuidado para não atolar o pé num dos buracos do fundo, pelos quais se vê os asfalto passar.

Dá no mesmo? Claro que não. E quem acha que seminovo é apenas um ardil de comerciante para enganar cliente otário tem razão, mas só em partes. Seminovo é mais do que um eufemismo, mais até do que desonestidade - é um exemplo do poder da resistência do ser humano, daquilo que somos capazes para nos preservar quando a barra pesa. Embute um modo de estar no mundo, quase uma cosmogomia. Se eu tivesse mais tempo e vergonha na cara, escreveria um livro de auto-ajuda que seria best-seller garantido: O eufemismo pode salvar sua vida.

Por que não imaginar, num esforço supremo de credulidade, que mandatos seminovos sejam capazes de restaurar nossas seminovas esperanças nesse Brasil seminovo de guerra? Não, a nossa moeda, a dignidade daquele senador e a reputação de nossos clubes de futebol não estão em frangalhos, estão apenas seminovas. E será que é tão difícil alimentar novas paixões em nossos seminovos corações? Eis aí a boa (semi)nova: nenhum de nós está ficando mais velho a cada minuto que passa. Estamos apenas ficando seminovos, cada vez mais seminovos. Faz uma tremenda diferença."

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A praia, a casa e a sacola

Será que fica muito clichê montar aquelas sequências de segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos? Duas décadas e meia acho que já está ótimo. Nós nos casamos quando ninguém nesse mundo imaginaria como a vida seria mais fácil depois do Google. Meu radinho de pilha só tinha sinal de ponta-cabeça, assim como eu. Aí veio você pra me botar de pé.

Aquela foto que carreguei durante todo o serviço militar ainda guardo. Não te mostro porque certamente vai querer rasgar. Cabelo cresto, olhar desajeitado e vontade de ser alguém. O medo de sair escondida de madrugada para se encontrar comigo em frente ao colégio. E o show do Menudos, lembra? Só fui por ti. Nem mullets eu tinha.

Esses 25 anos só me provaram que eu sou verão, você é inverno. O outros, primavera e outono. Como se fossem apenas variações mal sucedidas, tentativas fracassadas de se tornarem aquilo que era - e sempre será, vida - mais importante e grandioso nesse mundo: nós dois.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Dia de visita (que quase não tenho)

Liberdade em prato cheio, doses repetidas. Não casei, não tive filhos, meus familiares não me visitaram. A intensidade com que vivi em mim e para mim sempre se destacou nesse meu andar desajeitado. Eu por mim. Nem Deus, nem deusa, nem signo, nem sangue. Sim, me arrependo de certas coisas, como quando não passei o último café para minha querida mãe. Mas nenhum, nenhum arrependimento será tão marcante quanto o de não ter atirado na cabeça daquele filho da puta. O filho da puta que me fez estar aqui desde 1999. Eu, o homem mais livre do mundo, me vi preso. Por algêmas e alguns cadeados, só. Encorajado de tanta marginalidade cheirando a ferro. Selas lotadas, grandes amigos. Cheguei a ser transferido algumas vezes, em todas para lugares piores. Como se os últimos anos fossem a prova de que o mundo não é um lugar justo. Talvez as pessoas, mas o mundo não, ele não.

As visitas que recebi sempre foram de pessoas inusitadas. Políticos, engenheiros, vestibulandos, padres, escritores, psicólogos, jogadores de futebol, bicheiros, viciados, pintores, estilistas, viajantes, pais e mães. Soltos. Presos em suas próprias ideias. Pessoas que se prenderam enquanto livres e não há justiça que desfaça tal sentença. Eu nunca soube tratar tristeza. Tentei, mas não aprendi. Quando me jogaram no porta-malas daquela viatura fedida, a primeira coisa que fiz foi dar bom dia para os policiais. Hoje os mesmos me chamam de "meu camarada."

Aos visitantes condenados, pouco fiz. Despejava gargalhadas, alguma piada suja, versos, refrões, poemas. Por fim, um abraço. Gostava de acreditar que aquilo era o molho de chaves que procuravam há tempos. A certa somente eles poderiam encontrar. Simples, rápido.

Para os que confundem liberdade com solidão: Nina Simone.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Resposta para Marina:

É verdade. Ser exceção deve dar trabalho. Penso até que esse grupo de mulheres, as exceções, nunca foi criado. Sempre existiu, forte como as que foram às ruas lutar por liberdade de expressão em tempos ruins, sincero como as que deixaram suas 25478 escovadas antes de dormir para amamentar de leite e amor. As que vivem para o trabalho, as que trabalham para viver. Ser mulher deve ser tão difícil quanto escolher o vestido de casamento.

Aí imagino se criassem esse mesmo grupo para os homens. Seria inventado algum tipo de lazer. Algo que envolvesse um monte de excessos. De cerveja (que no fundinho eu sei que tu também gosta), futebol, poker, bandas instrumentais, gravatas e pizza com borda recheada. Ao mesmo tempo e bem evidente sobre nossos desejos, o excesso das exceções. As mulheres desses homens não seriam temperamentais em dias de TPM, nem reclamariam da toalha molhada em cima da cama, nem revisariam nossa caixa de entrada toda segunda-feira e se preocupariam menos com essa história cansada de regime. Seriam elas, floridas por dentro e por fora, de cima a baixo, como se suas orquídeas não murchassem no inverno, pois estariam amadas. Sem pausa. Em dia de Maracanã ou não. Principalmente quando vestissem nossas camisetas, até os joelhos, com uma manga mais dobrada que a outra. Sobre o resto dos homens, eles podem até amar as loucas e casar com as outras. Mas só eles, porque ainda não casei. E quero.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Entre-tantos, só um

Seria mais uma forma de seguir corretamente com os horários que eu mesmo crio: o ônibus estava marcado para as 9, mas resolvi chegar 7:30. Assim poderia tomar café e relembrar as emoções de rodoviária que aprecio desde sempre, antes mesmo da dona Maria Rita cantar lindamente aquela canção tão conhecida sobre chegadas e despedidas. O dia estava gelado, não tão frio, bem agradável, como diriam os velhinhos da minha rua. Sentei perto do portão B. Entre todas aquelas pessoas indo e vindo consegui uma visão plena sobre a moça na lanchonete recém aberta. Ela parecia nervosa, como alguém que passara a noite toda acordada, sem se alimentar e carregando uma preocupação tremenda por dentro. Era inevitável aceitá-la assim, e nem o possuidor dos conselhos mais confortáveis seria capaz de desfazer tamanho abatimento em forma de mulher.

- Moça, você está bem?
- Sim, sim, estou sim - respondeu ela, entre um gaguejo e outro.
- Mas precisa de alguma coisa? Uma água? Algum lanche?
- Não moço, eu estou bem. Estou feliz. Um pouco cansada, mas ainda feliz.
- Pode parecer grosseria minha, mas eu poderia perguntar para todas as pessoas que passaram por ti e a maioria discordaria.
- Eu entendo sua preocupação, mas estar feliz também cansa. Estou feliz desde quando meu amor disse que vinha me ver. O problema é que o ônibus dele quebrou e isso acabou atrasando sua chegada. Pareço abatida, mas por dentro de não há felicidade que caiba. Queria poder te fazer sentir. Meu amor, que senti tanta falta nesse tempo todo, meu homem está chegando!

Agora a impressão contrária era minha. A preocupação enfim virou um semblante sorridente que durou vários minutos. Mesmo assim continuei a pensar que as aparências não enganam. Aquela mulher transparecia mais que qualquer interpretação corporal pudesse entender. Cheia de vida, ainda que cinza, pronta para ser pintada de todas as cores imagináveis. Quis saber mais sobre o homem que a faz tão grandiosa.

- Ele partiu há muito tempo. Deixou alguns dizeres de que precisava procurar algo que o fizesse sentir o homem de antigamente. Me senti podre por dentro, por não ser capaz que fazê-lo, e ao mesmo tempo feliz em possuir a compreensão de deixá-lo ir.
- Vocês eram casados há quanto tempo?
- Não, nunca fomos casados, mas sempre morados juntos. Foi ele quem me mostrou a graça de viver, de andar por aí, de lutar por tudo aquilo que quero conseguir. Me amando, me dando carinho, me acolhendo com todos os amores aromatizantes de suas camisas sociais.

Ela era apaixonada demais por ele. Quando disse sobre o aroma de tal, pude reparar em como respirou mais lentamente para sentir um pouco da forte lembrança, que parecia tão frágil nessas ocasiões. A hora passou rápido, a conversa mais ainda. Me despedi e fui até meu portão de embarque. Rapidamente ela foi até o outro lado na espera de seu amado.

Depois que subi no ônibus e sentei na poltrona 27, a minha preferida, uma velhinha teve dificuldades com as malas, atrasando um pouco o serviço dos funcionários da empresa de transporte. Depois de algum tempo, de longe pude ver a moça vindo até minha janela, puxando pelo braço um homem, já de idade, com os olhos cheios de lágrimas e não conseguindo acompanhar os passos largos de alegria que corriam em minha direção.

- Veja, moço, meu pai chegou! Depois de tanto tempo ele chegou! Entende minha tristeza passada? Era tudo para ele compensar com a alegria em tê-lo novamente comigo. Meu pai, que tu imaginou ser meu marido, nunca seria comparado a um. Posso casar 7 vezes, ter um cãozinho pra cuidar, posso ter até amantes, se assim for preciso, mas este aqui é quem sempre vai ser o homem da minha vida.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Metade ti, metade mim

Quem foi que entrou na minha mente e me fez ver os dias em câmera lenta? Quem ditou essa lei própria de me alimentar de minúcias? Quem foi que me tirou o sentido apático e fez as horas cantarem enquanto passam? Felicidade, senhoras e senhores, mata sim! Felicidade estampada fere os olhos de quem não é feliz ao mesmo tempo. Como numa rodovia movimentada: o motorista feliz usa a luz alta, na tentativa de assim dizer pra todo mundo sobre sua alegria, mas na direção contrária vem o carrancudo, dando sinal para que o alegre se recolha. E rápido, se possível.

Fui feliz em festinha de criança e elas me tiraram os brinquedos porque minha risada era mais contagiante. Fui feliz em cerimônia de casamento e me expulsaram porque meu choro (muito mais que alegre) tirou a atenção do par de alianças. Fui feliz em algum show e reclamaram porque meu canto atrapalhava o som da banda no palco. Fui feliz até embaixo d'água, no céu, em volta de fogueira, enterrado de areia.

Bem lá no fundo de quem consegue reconhecer essa triste sinceridade, existem horas em que é mais pesado aceitar a alegria alheia do que ser humilde e rir junto, por mais bobo que o motivo seja. O dom da felicidade repartida em pedacinhos iguais, e pra quem quiser absorver, é sempre inexplicável. Estraga se for explicar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Verde-água é para o casamento, moço

Ela mandava na casa. Inteiramente na casa. Na rua, no bairro, na cidade, se assim a deixassem. Menos em si mesma. Como na filosofia, onde o termo "coisa em si" representa tudo aquilo que existe, mas não pode ser experimentado, já que não se toma conhecimento de sua existência tornando-o um objeto. Para ela, talvez a vida fosse assim mesmo. Nasceu em uma cidade qualquer, a qual mantinha um ódio desde o primeiro choro ao ar livre. (Aliás, como são raras as pessoas - jovens - que estabelecem uma relação boa com sua cidade natal. E os que dizem odiar usam argumentos tão inúteis que em qualquer outro lugar se pode encontrar os mesmos). Os pais se separaram quando ainda não tinha cabelo suficiente para usar aquelas xuxinhas que vovó sempre quis ver de enfeite na neta. Na escola era muito educada, obrigada. Cheia de carisma num sorrisinho frágil e perninhas curtas, quase sempre se via o joelho ralado pelo excesso de brincadeira. Mas ninguém se atrevia a chegar perto da caixa de lápis-de-cor, aquelas com 24, apontados simétricamente. Gostava tanto do verde-água que quase nunca usou. Eram para as ocasiões especiais. Como naquele desenho feito um dia depois da primeira vez que foi ao circo. Plantaram um girassol inteiro dentro de você, minha pequena? Sim, plantaram, regaram e guardaram para todos os verões.

Se formou com apenas 21 anos de idade. A família carregava um semblante de orgulho. Nossa moça formada tão cedo, tão capaz, tão culta! Pobres amadores da vida, mal sabem que essas obrigações são tão quebradiças perto do que nos provocam certas emoções. Se eu matar meu vizinho, meus caros, a esposa não se importará se sou fluente em três línguas e dialetos diferentes. É preciso de muito mais cuidado. Um amor mal resolvido fere mais que esse canudo misturado em vermelho e laranja dentro de vossas lareiras.

Mandava nas opiniões. Sabia como convencer e moldar mentes fracas. Talvez a seu favor, mas nem sempre. Acabava se confundindo cada vez mais. De tempos em tempos apareciam certos pretendentes. Charmosos, carros bonitos com aromatizantes nos bancos de trás, com os bolsos gordos de pedaços de papéis mais valiozos que folhas de bordo em bandeiras canadenses. Posso com isso, mundo? Tão humanizados e ao mesmo tempo sem entender o significado de suas próprias relações. Não gostava de viver assim sozinha, mas parecia sempre mais fácil. Só precisava de alguém que a libertasse de suas coisas, de suas "coisas em si". Seu objeto viveria, já não mais inexistente, e com nome próprio. Até poderia ser composto, antecedente de sobrenome tradicional. Fácil na pronúncia. Fácil de amar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pausa para os fatos escondidos

Ninguém se desfaz de uma história simplesmente por querer. É voltar a ser criança, para aquela época de dúvida entre continuar usando mamadeira mesmo que todos os seus amigos já tenham largado ou deixá-la de lado mesmo que todos os confortos maternos ainda sejam os mais viáveis.

Eu precisava, bem lá no fundo do meu ser, me desfazer do que andava pesando mais do que consigo aturar. Precisava deixar só como lembrança as vezes que somei minha vida com a sua, minha fronha com seu travesseiro, meu encaracolado e o seu liso. Na verdade, merecíamos um prêmio, um pra cada, que concretizasse todas as formas notáveis de que nos saímos bem. Não que eu quisesse, mas precisava. Espero que não esteja só fingindo esse bem-estar que todos ainda vêm me contando, que te viram linda por aí. Pode ser que a transparência tenha ficado ainda maior sem este aqui ao seu lado. E ainda assim, quando alguém diz algo contrário, teimo em pensar que só está sendo um babaca cheio de julgamentos levianos, pois poucas pessoas te conheceram lindamente como eu. Mesmo que as vezes os dias sejam banhados de orgulho ou de todas aquelas descrições sujas que prometemos não ser um com o outro - mas éramos -, continue sorrindo. O mundo também merece desfrutar da sua felicidade. Só tome um pouco de cuidado, sua risada é meio irritante.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Diana (inspirando por uma das 27 de Rubem Fonseca)

Mais uma vez a Rafa tinha levado Diana pra uma daquelas festas chatas. Não sei qual tipo de atração ela sentia por aquelas pessoas, mas não eram as mesmas. Diana inventou alguma história e saiu mais cedo, disse que iria estudar, qualquer coisa. Resolveu tomar café no único boteco que estava aberto àquela hora. Talvez o vestido e a maquiagem fossem muito chamativos para o lugar. Sentou ao lado de um rapaz.

- Meu nome é Diana, e o seu?
- Manoel.
- Meu pai se chamava Manoel, meu avô se chamava Manoel, meu bisavô se chamava Manoel.
- E seu filho?
- Não tenho filho, tenho um cachorro. Também se chama Manoel, mas eu o chamo de Mane, ele prefere.

Era óbvio e ele sabia, ela estava mentindo.

- E você? Faz o quê?
- Nada, estou desempregado.
- E antes?
- Ainda desempregado. Mas sei desenhar.

Diana pegou um guardanapo e pediu para que ele fizesse um desenho. Desenhou um cachorro que disse que era o Mané. Mas era um vira-lata, legítimo, e o Mané não era assim. Guardou o desenho na bolsa.

- Sou maluca.
- Eu também.
- Estou falando sério. Sou ninfomaníaca. Sabe o que isso significa?
- Sei. Uma mulher que busca compulsivamente o orgasmo sem conseguir.

Aquela era definição muito simplista, mas não retrucou, provavelmente ele diria que era apenas simples, e que as definições mais simples são as mais corretas. Ela concordaria.

- Nós, as ninfomaníacas, somos pessoas impulsivas. Vemos um determinado homem e queremos levar ele para a cama. Vai me dizer que isso não acontece com vocês? Apenas para os homens é mais difícil satisfazer esse impulso, as mulheres resistem mais às investidas. Agora, se eu convidar você para ir para a cama comigo você não vai resistir, vai topar, não vai?
- Você bebeu?
- Bebi champagne na festa, mas lá só havia homens sem graça, e antes de escolher errado dei o fora.

Manoel pediu um café duplo. Ele não gostava de fazer sexo com mulher de porre. Depois foram para o apartamento dela. Não tinha porteiro e a cama era confortável. No outro dia Diana quis se levantar, mas não conseguiu.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Com lamentos, Eu

Era meu dia de folga na empresa. O dia sagrado, quinta-feira. Um solzinho regado com frio que implorava qualquer tipo de rendição que envolvesse minha cama e eu. Mas o telefone insistia em tocar. Já poderia sentir o cansaço de uma maratona caso eu levantasse e fosse até a sala só para atender. E se fosse cobrança? E se fosse de novo o carinha chato do bar de sábado tentando marcar uma segunda vez? E se fosse alguém do trabalho me pedindo pra cobrir horário? Deixei tocar. É por isso que não tenho mais celular desde que o meu caiu no vaso da faculdade. Mas naquele dia me arrependi.

Acordei mais tarde, lá por depois do meio dia, liguei a tv e chorei. O jornal transmitia ao vivo o resgate de um incêndio que acontecia num bairro próximo ao meu. Edifício Lisbela, sétimo andar, apartamento 31. Eu conhecia aquele lugar. Morei lá entre 2001 e 2005, depois vendi para um amigo de infância, o Luiz, que tinha acabado de se casar e estava com uma filha por vir. Lembro também da expressão de realização que se via nos olhos dele e da esposa. Sobrava até pra mim, mil agradecimentos e jantares por poder oferecer o apartamento como ninho, repouso, morada para tanto amor que ainda seria modelado entre aqueles poucos cômodos de paredes esverdeadas.

Corri até o telefone para conferir as chamadas perdidas. Era ele, era o Luiz. Tentei ligar desesperadamente e só ouvia o som assustador da caixa postal. Foi assim durante toda a primeira semana. Evitava ler os noticiários para não descobrir o pior. Preferia tentar e tentar, cada vez mais, até que meu amigo finalmente pudesse me atender.

Mas hoje, justo hoje resolvi dar uma olhada na caixinha de correio:

“Não aguentei, minha cara Lis. Meu patrimônio – que um dia também foi seu – foi transformado em cinzas. Meu peito foi transformado em restos. Minha alma dilacera entre lembranças e arrependimentos. Naquele dia saí de casa intrigado com ela, ciúme barato, falta de diálogo, talvez excesso de paixão. Busquei minha filha na escolinha e quando voltei os bombeiros já estavam tentando controlar as chamas. Disseram que ela entrou no banho e esqueceu o gás ligado, o fogo acesso. Mas descrever assim parece cena de um filme qualquer, como aqueles que a gente assistia com o pessoal depois do cursinho na casa dos seus pais.

Ontem Clarinha completou 5 anos, quando foi se deitar me contou que só pediu uma coisa na hora de cantar os parabéns: Papai do céu, que a estrelinha da mamãe brilhe mais forte lá de cima, mas que todos consigam ver, assim como todos percebiam que a felicidade entre a gente era límpida.

Resolvi me mudar com ela, crescer com ela, minha filhinha anda sofrendo mais que eu, que já sofri por tantas outras coisas em tantas outras situações. Ela é linda demais para sofrer.

Prometo visitá-la em breve e renovado. Espero que entenda minha recente ausência. Meu novo endereço mando junto com esta carta, caso você queira nos visitar também.

Mil abraços, Luiz.”

domingo, 12 de junho de 2011

Quando você voltou de férias

Ainda bem que parou de chover. Até chegar no restaurante eu teria que ter sorte pra conseguir um táxi. Aliás, em qualquer ocasião que envolva táxi é preciso de sorte. Posso contar nos dedos quantas vezes o motorista ouvia música boa. Mas fui, entre Fagner e Ney Matogrosso (respectivamente motoristas fãs da semana passada) eu já tinha aguentado o pior.

Não entendo como em uma cidade como esta, cheia de variedades gastronomicas, ainda há filas para conseguir uma mesa bem localizada. Eu prefiro na janela, já que se acontecer alguma coisa é só pular pra fora, mas ela disse no telefone que ventava muito - e concordei - e a decoração não era a mesma da última vez, as cortinas não lembravam os lençóis da infância. Então contei sobre como meus dias andam praticamente cheios, que cada mês parece passar mais rápido. Acho que abril teve 15 dias, no máximo. Ela comentava que diante de toda a liberdade do passado parecia meio estranho esse apego com a rotina de agora, mas não era algo que a incomodava. É liberdade merecida, e quanto mais se tem, menos quer parecer egoísta. A gente sempre gostava de dividir, nem se fosse um amendoim, a conta de luz, a banda, o espaço no banho.

Voltei pensando nos três segundos de paz instantânea que soa junto com aquele "estava com saudade" que ela sempre assopra com o lábio molhado de vida.

- Eu também, de verdade.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Feriado

Mas mesmo se sobrasse alguns abraços
Mesmo se me faltasse muito espaço
Até o pôr-do-sol mais calmo se guardaria para o fim

Eu já implorei para a cidade inteira
Que cessasse toda essa besteira
De que ela não caberia dentro de mim

Da janela que se abre para a fonte
Vê-se bem pra lá do horizonte
A calmaria que simples enobrece

Ainda me perguntam se ando doente
E tento ser um pouco mais coerente
“É só a alma que treme quando minha moça aparece”

domingo, 5 de junho de 2011

Conselho-regra de quem tem sofá vermelho

"Esquece, cara, não é assim! Não tem hora pra fazer sexo, tem sexo pra fazer hora. Depois de acordar é melhor, óbvio, mas você sempre acaba não sabendo se é noite ou dia. Então pronto, fica tranquilo que ela ainda não chegou e o céu nem escureceu."

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A conta da lembrança, ou a falta dela

- Amélia, você está com quantos anos? 6?
- Claro que não, tenho 12!

Me gelou a barriga inteira. Amélinha já tinha 12 anos. Tentei lembrar o que me fizera parar no tempo e achar que não era tanto assim. Me gelou o resto do corpo inteiro quando precisei pegar minha carteira de identidade e fazer as contas. Sendo nascido em 1945, tenho hoje 66. A ausência das velas - nos bolos que não tive - ajudaram no esquecimento.

- Você não brinca mais de bonecas, então?
- Brinco sim. Bonecas são muito importantes para nós, elas nos fazem lembrar daquela época que, quando eu estiver na sua idade, vou considerar como a melhor de todas. A gente cria vida pra elas como se fossem nossas, mas sem perder a essência que dessa criação vem a certeza de que se fosse possível todo mundo iria querer ser criança pra sempre. Você deveria ter guardado seus carrinhos.
- Mas eu tenho alguns lá em casa.
- Que eu me lembre você doou todos para aquelas crianças carentes do bairro de cima.
- O que não deixa de ser uma coisa boa.
- Pode ser, mas o passado é tão rejuvenescedor que qualquer materialidade significa lembrar e crescer uns 10 anos.
- Mas eu ainda tenho alguns carrinhos lá em casa.
- Algumas vezes acho que você poderia ser meu amigo da escola, em outras poderia ser meu avô, só pelo grau da teimosia.

Levantei e sentei em outro banco. Eu poderia ter aprendido mais. Logo eu, que ensino tanto e faço dos meus argumentos a maior base de aprendizado dela, dessa Amélia, que apesar da coleção de Barbie ainda guardada, agora deu pra reclamar quando a chamo pelo nome no diminutivo.

- Vem, não precisa fazer manha, eu te compro um sorvete, mas primeiro me promete que vai escovar os dentinhos quando chegar em casa. - disse ela, no tom de ironia mais jovial possível, me puxando por um braço e com o outro me entregando um balão. Nele havia um desenho estranho, parecia uma esponja de banheiro, amarelo e de calça quadrada. Não me lembro direito, mas achei interessante a maneira íntima com que ela o chamava de Bob.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O s(c)eu e o inv(f)erno

Hoje você apelou. Me acordar abrindo a cortina foi a maior ofensa desses últimos meses. Nem quando a cadela da vizinha - que é outra cadela - mijou no meu sapato me deixou tão desanimado. Depois disso reclama que o café está velho. Sai pra comprar outro. Volta com uma lista de palavrões novos dizendo que a fila da padaria estava enorme (o que só me surpreenderia se não fosse 7:30 da manhã) e que os maconheirinhos do colégio da frente têm cantadas piores que as do seu tio, aquele de Jundiaí, do umbigo estufado pra fora, igual nariz de palhaço.

Eu poderia tentar te lembrar o quão amada me parecia ontem. Logo ontem. Desde a hora em que se deliciou comendo pizza gelada até quando a sua, a minha, a nossa lingerie preferida rasgou por eu ter jogado no ventilador de teto, só pra gente rir do que aconteceria. E olha só, você riu até se engasgar, dizendo entre uma tosse e outra que compraria uma bem mais bonita.

Parece até um elevador, onde só saio pra tomar um ar, onde você é quem decide os andares. Se quer me sobrecarregar de inspiração me leva pra cobertura, como se lá fosse o lugar mais alto da Terra e em nenhum outro prédio eu sentiria o mesmo vento misturado com o frio que a gente espanta. Mas se quer anular tudo aquilo que me faz sempre deixar um recadinho na sua geladeira é só apertar o -1. As escadas escuras fazem um eco tão vazio que ninguém consegue me escutar. Eu sei, não é a hora da queixa, do desgaste, mas por favor, não use tantas palavras bonitas quando, na verdade, não há nada compatível pra dividir comigo. É o desperdício mais evidente entre as evidências que a gente cria. Eu nem precisava te falar.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

É pouco, mas faz tanta

Me imagino tentando medir agonias por não ter certas coisas (ou pessoas, pra não ser tão direito) e só poder fazer nada. Desconsiderando qualquer impedimento possessivo e de falta de vontade alheia, mas é só por estar longe. Por outro lado, essas distâncias consideráveis deveriam ser compensadas com mil outros sintomas que nos façam rir, enfim, juntos. Vai de mim reciclar toda paz dessas palavras, inventar aromas, formas e cores pra tanta ausência - por estar tão perto (aqui perto, você sabe onde), parece ainda mais distante. E dias assim eu coloco junto daqueles em que coisas tão pequenas se transformam em vida, consagrando todos os excessos tão naturalmente que a gente só percebe algum tempo depois.

De quando descobri que Papai Noel não existe; de quando chorar era, de alguma forma de teimosia, a coisa mais gostosa do dia; de quando conseguimos mudar de Ré pra Sol sem abafar as cordas; de quando o primeiro salário acaba na primeira semana; de quando cerveja cai bem melhor que achocolatado; de quando você volta pra nunca mais sair. Eu espero.

terça-feira, 1 de março de 2011

A essência de nós, bêbados

Talvez nosso propósito seja conseguir levantar no outro dia sabendo onde estamos, talvez a gente passe o dia inteiro suplicando por um copo de cerveja, talvez a vida não seja só isso, e por outro lado o limite da satisfação chega mais fácil. Ou até mesmo pode ser que sejamos tão inocentes quanto vocês - meros apreciadores de sucos e água com gás - já que certas alegrias alcoólicas são tão comparáveis quanto as tuas; onde entre o último gole do resto quente e o primeiro copo da gelada pode ser considerado tão feliz quanto tirar 10 na última prova de álgebra do ano. Onde acordar, ver seus amigos espalhados pela sala e poder dar risada de todas as merdas da noite anterior é tão incrível quanto fazer churrasco com o avô num domingo de Natal. Onde uma rodada de tequila é tão comemorada quanto o segundo gol do Ronaldo na Copa de 2002.

Mas é que pode ser de Heinekein até Conti, Blue Label até Grant's, Absolut até Natasha, Jose Cuervo até Velho Barreiro, Absinto até Rum, Caipiroska até Caipicerva... o negócio é que, em quem não bebe, eu não confio.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ah, se regras bastassem

Hoje faz 6 meses que me mudei para cá. Os dias passam rápidos e as noites são longas, não banhadas de solidão, meus amigos da faculdade (a qual já me formei, obrigado) trazem algumas cervejas belgas e filmes bobos para ficarmos pausando e voltando nas partes engraçadas. Levantar cedo e ir ao trabalho agora parece ser tão normal quanto encontrar algum famoso em qualquer aeroporto no Rio. Meu chefe me trata como o filho que queria ter, sendo que o verdadeiro veio ao mundo para 'investir' seu dinheiro em peças para o carro que sempre aparece com problemas na segunda-feira por conta dos rachas no final de semana.

No caminho do meu apartamento até a agência passo no Seu Aurélio e compro alguns pães de queijo. Penso que quando Deus já havia criado o homem e a mulher, se deparou com os seios da moça que eram grandes demais, e para diminuir tanta diferença resolveu tirar o excesso. Depois disso, sentiu fadiga e fome, criou o forno, botou lá dentro e pronto, em uma hora e meia estavam eles, os pães de queijo, quentinhos, derivados de seios femininos. E se você só os provou em qualquer parte do país e não aqui, em Minas, com certeza não conhecem o sentido de acordar toda manhã.

Depois de passear pelas nuvens a cada mordida, sentava ali perto da moça da barraca de algodão doce. Ela me olhava de um jeito difícil de separar as semelhanças entre desprezo e desejo. Sua filha, com não mais que 7 anos, sempre estava sentada em uma cadeirinha rosa ao lado. Enquanto a mãe me assustava sem intenção, a criança me dava o segundo impulso para um dia bom de trabalho. Mas ontem, véspera de Páscoa, justo quando tivera até comprado um chocolate para as duas, elas não estavam mais lá. Seu Aurélio parecia diferente, logo cedo assim, aparentava ter tomado mais café que o normal:

- O que aconteceu nessa praça, meu velho?
- Depende, uai, de ontem pra hoje aconteceram muitas coisas.
- Que seja! Foram boas ou ruins?
- Para fim foram péssimas, ver meu Cruzeiro perdendo daquele jeito para o Atlético não é nada bom.
- Então é por isso sua cara de cachaça estragada?
- Faz assim não, moço, o que eu mais queria agora era uma canelinha, lá de Salinas.
- Mas e a mulher do algodão doce?
- Aquela está pior que eu: botou a filha em um orfanato cedinho, passou aqui para se despedir e foi embora de desprezo.
- Como assim?
- Dizia ela que cansou de sufocar um amor em seu peito por alguém que a olhava com tanta dúvida, que um sentimento bonito assim não poderia mais conviver com tanta timidez e falta de oportunidades para dividir todo um ser. Eu já havia reparado em como ela se sentia quando você passava, e era ela que, na verdade, queria florir seus dias com sorrisos de algodão doce, como fazia a filha
- De desgostos, Seu Aurélio, um vexame do meu time de coração bastaria para eu me sentir triste durante um ano, assim como o senhor se encontra agora.
- É triste, morro e não entendo as surpresas do futebol.
- E eu viverei para entender as surpresas do nosso dia-a-dia.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Goethe me entenderia

"Segundo você disse, minha mãe deseja que eu me ocupe de alguma coisa; isso me fez rir. Não estou eu, então, ocupado neste momento? Contar grãos de ervilha, ou lentilhas, no fundo não é a mesma coisa? Tudo neste mundo conduz às mesmas mesquinharias; e aquele que, para agradar aos outros, e não por paixão ou necessidade pessoal, se acaba no trabalho para ganhar dinheiro, honra, ou o que quer que seja, digam o que disserem, o que age assim é um completo ignorante."

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Depois do mês passado

Sair de casa já não tem mais aquele sentido, pôr os pés na rua é tão em vão quanto ir pra academia depois de fumar um cigarro, sem falar que meu quarto é tanto silêncio que até dentro de mim se faz eco. Dezembro nunca foi um mês tão apertado, a ceia de natal vazia e os fogos de réveillon vistos da janela que você quebrou naquele seu aniversário em que bebeu mais que o normal. Aliás, nunca me importei com esse seu clichê de que tudo deveria ser assim, sem ligar pra qualquer tipo de consequência moral ou física do dia seguinte. Até me tornara um aluno, onde em minha mente fica cada vez mais evidente que não leva a nada viver arrependido de tudo. Essas coisas definem quem somos.

Ainda bem que deixei guardada alguma força pra reforçar o seu poder de existir, mesmo que isso seja algum tipo de fantasia que crio na hora em que critico Nietzsche sozinho no sofá de almofadas vermelhas, minha querida.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A torta e as cores

Conheço Milena desde a 5ª série, e o fato mais forte que provalece entre a gente é que nunca mudamos o corte do nosso cabelo. Não é pacto de amizade nem nada, eu gosto do dela, ela gosta do meu. Caso algum namoradinho pedisse pra que cortasse, que alisasse aqueles caixinhos vermelhos-de-sol, eu teria mil outros argumentos para que não. Assim tá ótimo, aqui ninguém rela.

Ontem de manhã passei numa padaria, comprei uma torta de limão e fui ao apartamento dela de surpresa. É impressionante como guardo todos os números do meu dia-a-dia num lugar bem reservado da memória, mas o daquele apartamento eu sempre esqueço. E esqueço em dobro, porque não lembro nem de anotar em algum papel pra nunca mais ter que ficar dando dicas pro porteiro sobre quem quero ver. Ele nunca sabe!

- Com licença, poderia interfonar pra Milena Pires?
- Quem?
- Milena Pires.
- Essa moça mora aqui mesmo?
- (Não, tô chutando de prédio em prédio pra ver se acho) Sim, uma morena quase ruiva que tem um carro azul.
- Calma, tem uma quase ruiva que morava aqui e foi pra São Paulo atrás do marido que fugiu com a amante.
- E o nome dela é Milena Pires?
- Não.
- ENTÃO!
- Mas e se tivessem duas Milenas morando nesse prédio?
- Moço, eu preciso saber o número do apartamento da Milena Pires, uma que tem uma bunda bem bonita.
- Ahhhhhh, a dona Milena, que sai de manhã e só volta a noite quando o turno não é mais meu. A bunda dela é bem convidativa mesmo... é 181, boa sorte!

Enfim, subi e ela estava dormindo. Lembrei sobre como acordar alguém de uma forma que faça sorrir é perfeitamente encaixado em um dos maiores prazeres da vida. Quase melhor que comer strogonoff depois de cantar a noite inteira em algum show foda. Botei a torta no criado-mudo e sussurrei algo não assustasse, significativo como qualquer frase roubada de Dear Prudence. Ela sorriu, abriu o olho esquerdo, me deu um abraço e tomou um gole de café.

- Sabe o que eu estava sonhando?
- Acho que não.
- Que estava num bar com um amigo e ele me disse sobre como nós, mulheres, nos enganamos quando pensamos que vocês são apaixonados por roupas vermelhas.
- Alguém se apaixona por cores?
- Por exemplo: se uma mulher for com um vestido vermelho em uma festa, o máximo que ela vai conseguir é arrancar lascas de inveja das outras mulheres. Enquanto isso, outra moça chega na dela, com um vestido azul aberto nas costas, deixando a tatuagem aparecer um pouco, bronzeada até certo ponto e com um perfume não tão doce. Quem você acha que vai chamar mais atenção?
- Eu casaria com a de azul, só isso. Mas e no caso de uma lingerie?
- Ah, a cor da lingerie tanto faz. Não sendo aquele bege areia de praia artificial, tá ótimo.
- Tem gente que é exigente, sempre prefere uma cor específica.
- E se eu estiver sem nada pro baixo? Você vai me mandar vestir alguma coisa sendo que depois vai tirar?
- Eu? Eu não, nessas horas até gostaria de ser daltônico.
- A lingerie não importa, o que importa é gozar.

Foi ali, naquela cama desarrumada, com bafinho de café, que ela me convenceu. Milena sempre estava certa, e provava suas certezas de uma forma tão natural que seria o maior atrevimento do mundo se eu não concordasse. A torta ficou pro jantar, e o cabelo do mesmo jeito de sempre.