quinta-feira, 19 de maio de 2011

A conta da lembrança, ou a falta dela

- Amélia, você está com quantos anos? 6?
- Claro que não, tenho 12!

Me gelou a barriga inteira. Amélinha já tinha 12 anos. Tentei lembrar o que me fizera parar no tempo e achar que não era tanto assim. Me gelou o resto do corpo inteiro quando precisei pegar minha carteira de identidade e fazer as contas. Sendo nascido em 1945, tenho hoje 66. A ausência das velas - nos bolos que não tive - ajudaram no esquecimento.

- Você não brinca mais de bonecas, então?
- Brinco sim. Bonecas são muito importantes para nós, elas nos fazem lembrar daquela época que, quando eu estiver na sua idade, vou considerar como a melhor de todas. A gente cria vida pra elas como se fossem nossas, mas sem perder a essência que dessa criação vem a certeza de que se fosse possível todo mundo iria querer ser criança pra sempre. Você deveria ter guardado seus carrinhos.
- Mas eu tenho alguns lá em casa.
- Que eu me lembre você doou todos para aquelas crianças carentes do bairro de cima.
- O que não deixa de ser uma coisa boa.
- Pode ser, mas o passado é tão rejuvenescedor que qualquer materialidade significa lembrar e crescer uns 10 anos.
- Mas eu ainda tenho alguns carrinhos lá em casa.
- Algumas vezes acho que você poderia ser meu amigo da escola, em outras poderia ser meu avô, só pelo grau da teimosia.

Levantei e sentei em outro banco. Eu poderia ter aprendido mais. Logo eu, que ensino tanto e faço dos meus argumentos a maior base de aprendizado dela, dessa Amélia, que apesar da coleção de Barbie ainda guardada, agora deu pra reclamar quando a chamo pelo nome no diminutivo.

- Vem, não precisa fazer manha, eu te compro um sorvete, mas primeiro me promete que vai escovar os dentinhos quando chegar em casa. - disse ela, no tom de ironia mais jovial possível, me puxando por um braço e com o outro me entregando um balão. Nele havia um desenho estranho, parecia uma esponja de banheiro, amarelo e de calça quadrada. Não me lembro direito, mas achei interessante a maneira íntima com que ela o chamava de Bob.

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