quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Por desgosto, porque gosto

Desaprendi a decifrar as suas vontades. Desaprendi a comprar seu bolo preferido depois do trabalho. Desaprendi a prender seu cabelo com aquelas canetas azuis que sempre tinham de montes na sua bolsa bonita-porém-falsificada. Desaprendi até a te enganar sobre essas bolsas que nem sempre podiam conter a etiqueta quase platinada. Essas bolsas falsas que você fingia estar satisfeita pois entende que prefiro pagar 5 diárias em um hotel com café da manhã caprichado pra nós dois do que gastar com uma bolsa tiracolo. E quanto menos bolsa tiracolo, mais colo você pedia. Mais colo eu te dava.

Nós, que sempre fomos um casal independente desse olhar social e estagnado que nos cerca, hoje estamos a mercê de qualquer pessoa que queira nos classificar como um casal cansado do próprio casamento. Mas eu não queria que isso acontecesse. Tanto que fui até a casa dos meus pais e fiz eles contarem toda a história do casamento deles - que, pra mim, são a prova maior de que a junção e as alianças podem ainda dar certo na vida de duas pessoas. Mas eles não quiseram me contar os podres que existem em viver 25 anos comendo a mesma pessoa. E que raiva me dava dessa curiosidade sexual que meus pais têm perante a gente. Deu vontade de falar pra eles que nós fazemos sexo todo dia de manhã. Deu vontade de falar pra eles que eu e você transamos na cama deles várias e várias e várias vezes enquanto eles iam até a padaria comprar mais pãozinho francês. Depois eu e você comíamos pão francês com Fanta sem gás com aquela cara de tanto faz se essa merda parece suco de laranja, o importante é que nós acabamos de transar e eles não sabem. E na cama deles! O pior é que não sei se eles achariam isso um puta desrespeito. Meus pais sempre souberam que minha vontade era casar com você desde que te levei em um domingo de almoço, mas que a comida só ficava pronta depois das 4 da tarde.

A gente descansa sem for preciso. Não te obriguei a gostar das minhas camisetas desbotadas, não vou te obrigar a ficar comigo pra sempre. Só trate de não esquecer que qualquer coisa que eu faça por nós, mesmo que comece por desgosto, acabo fazendo porque gosto. Tu é e sempre vai ser essa coisa cheirosa e enigmática que carreguei prazerosamente comigo. E tentarei sempre carregar. Se começar a pesar demais em minhas costas, pode deixar que te aviso. Mas acho que não.

domingo, 21 de outubro de 2012

É simples, mas deu saudade

Lembra quando te mandei aquele cartão postal escrito "quero tomar banho com você"? Achei ele hoje na sua caixa de coisas-velhas-que-são-importantes. Tanto que, pra mim, a caixa é mais importante que as próprias coisas velhas. Lembra também que em todos os nossos banhos você reclamava que o chuveiro pingava gelado a cada sete segundos? E quando o sabão entrou no meu olho e você tentou passar minha dor dando beijos e me secando com a toalha suja de nossa vida? Você lembra?

Às vezes eu acho que não deveria ter ido embora. Ou que deveria ter ficado um pouquinho mais, só pra sentir a certeza de que tomar banho contigo nunca vai ser tão bom no seu banheiro de azulejos de cozinha. Onde já se viu, cara, azulejos de cozinha num banheiro? Que sagrado era aquele lugar. Mais bonito ainda era ver sua expressão indignada quando a conta vinha o dobro do que era programado pro mês. Aí a gente resolvia mais esse impasse onde qualquer problema do mundo vai junto pro fundo do ralo: no banho.

Seu cabelo ainda é gosto de lavar? Você usa o mesmo sabonete rosinha com cheiro de sol nascente? O abre-fecha do seu box ainda faz aquele barulho de porta em filme de terror? A janela virada pro prédio lilás ainda é quebrada e entra vento gelado no inverno? Aliás, quer tomar banho comigo de novo? Prometo que tô voltando.

domingo, 14 de outubro de 2012

A própria busca

Pra onde você foi, menina? Tão longe pra longe de mim que só lembrei agora que não me mexi quando te vi sair, mas quis saber o caminho que tu fez caso eu quisesse te buscar mais tarde. Só que você fingiu e foi sem nem falar como, pra onde, se voltaria, se sentia saudade ou se queria que eu buscasse. E me dá um fervor horrível no coração saber que quem eu tanto queria se tornou a pessoa mais indiferente entre todas as pessoas diferentes que já conheci. Será que todas que eu conhecer daqui pra frente também vão se tornar amenas e levianas assim um dia? Será que acontece com todo mundo e todo mundo não se importa como eu me importo? Será que vale a pena eu não criar uma armadilha contra mim mesmo e parar de me enganar sem qualquer esforço pra acordar e não deixar isso acontecer de novo? Ou será que eu tô e sempre estive certo e vocês estão errados por acharem que as pessoas vêm e vão sem mais nem menos?

Que merda é escrever se questionando se o correto é escrever pra se encontrar. Mas caso tu me encontre, me diga onde é que eu me busco. E te trago junto.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Esse sambinha é seu

Quase te liguei durante o almoço pra pedir um jogo de cordas novas, mas aí você iria saber que tirei o violão do guarda-roupa de novo e fiz outro sambinha pra gente se encontrar. E o pior é que fiz mesmo. Sambinha acanalhado, resultado de muitas tardes ouvindo Bezerra da Silva e Elis. Mas esse sambinha novo não é como os velhos em que eu insistia em rimar amor com dor. Esse sambinha novo é novo mesmo. As estrofes estranharam a forma como foram escritas. Até as rimas me olharam torto, como se eu estivesse falando que Chico não sabe cantar "Ligia" do Tom.

Aliás, em outros tempos esse sambinha te faria chorar de emoção por saber que um cara apaixonado por cheirinho de pós-banho criou versos pensando no seu jeito gostoso de me acordar e fazer dormir. E depois de chorar você ligaria pra alguma amiga e ela daria risada da sua cara, pois música com nome de mulher se tornou brega desde que aqueles barbudos fizeram ecoar a sem-coração da Anna Júlia por todos os cantos do país. Mas que culpa tenho eu se a mulher da minha vida resolveu ter o nome mais bonito também? Aproveito pra declarar que se essa coisinha linda que já samba no seu ventre for uma mocinha, quero que o nome dela seja o seu. Que honra poder dizer que as duas pessoas que mais amo têm o mesmo nome, mesmo sangue, mesmo bocejo, mesmo cabelo enroladinho e o mesmo amor por mim. Assim os sambinhas que são seus também serão dela. Assim como eu. Inteiramente seu, inteiramente dela.

Vem logo me ouvir. Meu sambinha quer te ver sambar.