quinta-feira, 26 de setembro de 2013

De novo: lembrei de você

"Vai, pode me zoar. Você sabe que não faço a mínima questão de ser mais um cara que prefere meter uma baladinha ao invés de se sentir bem consigo mesmo e admitir uma saudade instantânea. E a sua vantagem é essa: não peço que a gente relembre todos os atos - longe disso, minha sensatez é rara e prefiro nos prevenir disso tudo. Mas eu gosto de te falar quando lembro de ti. Não mata. Fique Feliz, pois eu fico.

Não pelo roçar da água na pele. Não pela óbvia nudez. Não por nada do que fizemos embaixo do chuveiro.
O que mais me faz lembrar de você, querida, é ficar sem ar. É prender a respiração e enfiar a cabeça embaixo d´água, enquanto o xampu escorre. Contar os segundos sentindo a pele ficar menos e menos escorregadia. Esfregar o cabelo num cafuné rápido, e molhar as paredes, ainda com as vias aéreas fechadas. 

O ar é dessas coisas que a gente só lembra que existe quando faltam. Como o dinheiro, a pasta de dente, o nescau e a sua companhia. Ali, com a respiração presa, o gás carbônico querendo sair urgente, dá quase pra sentir o coração acelerar. O corpo quer uma coisa, abrir a boca e sugar oxigênio. O cérebro não deixa, pelo bem de todos. Qualquer criança aprendendo a nadar entende a definição de agonia. São aqueles instantes nos quais, depois de mergulhar, você tenta voltar à superfície, vê a borda da piscina próxima, mas o esforço te faz se sentir ainda longe. Enquanto não consegue tocar algo sólido e puxar o seu corpo pra fora, os pulmões sofrem e o cérebro fica meio confuso.

As mãos aceleram o ritmo para tirar logo o xampu. Preciso de ar. A precisão só me lembra você.

Claro, é mais fácil tirar a cabeça debaixo d´água e respirar, mas isso qualquer um faz. Difícil é a intensidade, aguentar a falta e continuar tirando o xampu e a sujeira. Do corpo, do coração, de onde quer que você queira imaginar.

Sufocar é sentir uma queimação nos pulmões e o ritmo cardíaco acelerar, pedindo logo a abertura das vias. É o corpo pedir uma reação racional e cerebral a um fenômeno físico. Todas as células – lembre-se, não é metáfora – pedem, naquele instante, uma ação urgente. Porém, sem ar a gente perde a noção do tempo. Como em todas aquelas vezes em que tu perdeu e se atrasou por ter ficado mais que o programado no banho.

É bom saber que você conseguia me livrar de toda a crosta do meu passado. Mesmo que agora você faça parte dele."

Com adaptações e tudo mais.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Esse conjunto da obra...

Teu tio carioca da gema que descoloriu os pelos do peito diria: caraca, bicho! 

A chuva que fez quando resolvi sair mais cedo pra evitar o trânsito me lembrou esse caraca, bicho! Não adiantou nada levantar meia hora antes, deixar minha camiseta toda enfarelada de pão de queijo e queimar a língua no leite requentado. Tentar se precaver contra a natureza é o pior erro que a gente pode cometer. Assim como o medo é pré-córtex, bicho e homem, irmãos no destino de esperar, paciente e afoitos, que a eletricidade vá pra outro lado. Completamente subjugados, humilhados e inúteis.

Se o trovão não é deus, nada é.

Mas cê quer outra verdade dessa manhã? Acabaram de me perguntar se essa plenitude romântica-literária que eu prezo é tão linear quanto a própria linha do meu pensamento. E não é. Se eu prefiro escrever sobre a gente, não quer dizer que eu só saiba escrever sobre a gente. O que me difere dos outros nomes da literatura nacional é que eu não sou cobrado pra fazer isso. E gosto. Não tenho pauta marcada, não preciso de horas de champanhe em eventos semestrais pra achar uma rebarba editorial que me faça publicar algo que nem sei se comprariam. E que medo de ser comprado mas não ser lido. Há até quem diga que eu deveria publicar um livro, e agradeço, mas não vejo isso como obrigação. Meus parágrafos não são revisados. Assim como nunca visei ou revisei a possibilidade de ser pra você todas regras gramaticais da minha entrega textual.

Do que eu gosto, até às paredes confesso: erros grandes e pequenos, piadas internas, fados portugueses, mentirinhas verdadeiras, pornografia (e quem não gosta?), Roma renascentista e gargalhar quando a areia entra no seu boga. Foi mal. 

Minha obra literária é você, até quando tu não quiser mais ser.