quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ah, se regras bastassem

Hoje faz 6 meses que me mudei para cá. Os dias passam rápidos e as noites são longas, não banhadas de solidão, meus amigos da faculdade (a qual já me formei, obrigado) trazem algumas cervejas belgas e filmes bobos para ficarmos pausando e voltando nas partes engraçadas. Levantar cedo e ir ao trabalho agora parece ser tão normal quanto encontrar algum famoso em qualquer aeroporto no Rio. Meu chefe me trata como o filho que queria ter, sendo que o verdadeiro veio ao mundo para 'investir' seu dinheiro em peças para o carro que sempre aparece com problemas na segunda-feira por conta dos rachas no final de semana.

No caminho do meu apartamento até a agência passo no Seu Aurélio e compro alguns pães de queijo. Penso que quando Deus já havia criado o homem e a mulher, se deparou com os seios da moça que eram grandes demais, e para diminuir tanta diferença resolveu tirar o excesso. Depois disso, sentiu fadiga e fome, criou o forno, botou lá dentro e pronto, em uma hora e meia estavam eles, os pães de queijo, quentinhos, derivados de seios femininos. E se você só os provou em qualquer parte do país e não aqui, em Minas, com certeza não conhecem o sentido de acordar toda manhã.

Depois de passear pelas nuvens a cada mordida, sentava ali perto da moça da barraca de algodão doce. Ela me olhava de um jeito difícil de separar as semelhanças entre desprezo e desejo. Sua filha, com não mais que 7 anos, sempre estava sentada em uma cadeirinha rosa ao lado. Enquanto a mãe me assustava sem intenção, a criança me dava o segundo impulso para um dia bom de trabalho. Mas ontem, véspera de Páscoa, justo quando tivera até comprado um chocolate para as duas, elas não estavam mais lá. Seu Aurélio parecia diferente, logo cedo assim, aparentava ter tomado mais café que o normal:

- O que aconteceu nessa praça, meu velho?
- Depende, uai, de ontem pra hoje aconteceram muitas coisas.
- Que seja! Foram boas ou ruins?
- Para fim foram péssimas, ver meu Cruzeiro perdendo daquele jeito para o Atlético não é nada bom.
- Então é por isso sua cara de cachaça estragada?
- Faz assim não, moço, o que eu mais queria agora era uma canelinha, lá de Salinas.
- Mas e a mulher do algodão doce?
- Aquela está pior que eu: botou a filha em um orfanato cedinho, passou aqui para se despedir e foi embora de desprezo.
- Como assim?
- Dizia ela que cansou de sufocar um amor em seu peito por alguém que a olhava com tanta dúvida, que um sentimento bonito assim não poderia mais conviver com tanta timidez e falta de oportunidades para dividir todo um ser. Eu já havia reparado em como ela se sentia quando você passava, e era ela que, na verdade, queria florir seus dias com sorrisos de algodão doce, como fazia a filha
- De desgostos, Seu Aurélio, um vexame do meu time de coração bastaria para eu me sentir triste durante um ano, assim como o senhor se encontra agora.
- É triste, morro e não entendo as surpresas do futebol.
- E eu viverei para entender as surpresas do nosso dia-a-dia.

Um comentário:

Adna Martins disse...

A cada leitura o inesperado!
A inevitável surpresa do que é seu mundo,e o doce presente de sua transmissão.