terça-feira, 23 de agosto de 2011

Entre-tantos, só um

Seria mais uma forma de seguir corretamente com os horários que eu mesmo crio: o ônibus estava marcado para as 9, mas resolvi chegar 7:30. Assim poderia tomar café e relembrar as emoções de rodoviária que aprecio desde sempre, antes mesmo da dona Maria Rita cantar lindamente aquela canção tão conhecida sobre chegadas e despedidas. O dia estava gelado, não tão frio, bem agradável, como diriam os velhinhos da minha rua. Sentei perto do portão B. Entre todas aquelas pessoas indo e vindo consegui uma visão plena sobre a moça na lanchonete recém aberta. Ela parecia nervosa, como alguém que passara a noite toda acordada, sem se alimentar e carregando uma preocupação tremenda por dentro. Era inevitável aceitá-la assim, e nem o possuidor dos conselhos mais confortáveis seria capaz de desfazer tamanho abatimento em forma de mulher.

- Moça, você está bem?
- Sim, sim, estou sim - respondeu ela, entre um gaguejo e outro.
- Mas precisa de alguma coisa? Uma água? Algum lanche?
- Não moço, eu estou bem. Estou feliz. Um pouco cansada, mas ainda feliz.
- Pode parecer grosseria minha, mas eu poderia perguntar para todas as pessoas que passaram por ti e a maioria discordaria.
- Eu entendo sua preocupação, mas estar feliz também cansa. Estou feliz desde quando meu amor disse que vinha me ver. O problema é que o ônibus dele quebrou e isso acabou atrasando sua chegada. Pareço abatida, mas por dentro de não há felicidade que caiba. Queria poder te fazer sentir. Meu amor, que senti tanta falta nesse tempo todo, meu homem está chegando!

Agora a impressão contrária era minha. A preocupação enfim virou um semblante sorridente que durou vários minutos. Mesmo assim continuei a pensar que as aparências não enganam. Aquela mulher transparecia mais que qualquer interpretação corporal pudesse entender. Cheia de vida, ainda que cinza, pronta para ser pintada de todas as cores imagináveis. Quis saber mais sobre o homem que a faz tão grandiosa.

- Ele partiu há muito tempo. Deixou alguns dizeres de que precisava procurar algo que o fizesse sentir o homem de antigamente. Me senti podre por dentro, por não ser capaz que fazê-lo, e ao mesmo tempo feliz em possuir a compreensão de deixá-lo ir.
- Vocês eram casados há quanto tempo?
- Não, nunca fomos casados, mas sempre morados juntos. Foi ele quem me mostrou a graça de viver, de andar por aí, de lutar por tudo aquilo que quero conseguir. Me amando, me dando carinho, me acolhendo com todos os amores aromatizantes de suas camisas sociais.

Ela era apaixonada demais por ele. Quando disse sobre o aroma de tal, pude reparar em como respirou mais lentamente para sentir um pouco da forte lembrança, que parecia tão frágil nessas ocasiões. A hora passou rápido, a conversa mais ainda. Me despedi e fui até meu portão de embarque. Rapidamente ela foi até o outro lado na espera de seu amado.

Depois que subi no ônibus e sentei na poltrona 27, a minha preferida, uma velhinha teve dificuldades com as malas, atrasando um pouco o serviço dos funcionários da empresa de transporte. Depois de algum tempo, de longe pude ver a moça vindo até minha janela, puxando pelo braço um homem, já de idade, com os olhos cheios de lágrimas e não conseguindo acompanhar os passos largos de alegria que corriam em minha direção.

- Veja, moço, meu pai chegou! Depois de tanto tempo ele chegou! Entende minha tristeza passada? Era tudo para ele compensar com a alegria em tê-lo novamente comigo. Meu pai, que tu imaginou ser meu marido, nunca seria comparado a um. Posso casar 7 vezes, ter um cãozinho pra cuidar, posso ter até amantes, se assim for preciso, mas este aqui é quem sempre vai ser o homem da minha vida.

4 comentários:

Gabriele Miquelitto disse...

Me prendeu até o final, surpreendeu e arrancou sorriso... adorei!

Anônimo disse...

Você escreve muito bem. Gostei demais, to seguindo. Beijos no coração.
www.aurevoirsaudade.blogspot.com

Maria Midlej disse...

Que gracinha!
Gostei muito e sorri.
=)
:*

Hilem disse...

Interessante. O final é definitivamente supreendente. E - se concordas com o que a moça da tua história diz - um pai vai ser sempre o homem da vida de alguém, marcando-a profundamente, para o bem ou para o mal. Escreve mais!