terça-feira, 2 de agosto de 2011

Verde-água é para o casamento, moço

Ela mandava na casa. Inteiramente na casa. Na rua, no bairro, na cidade, se assim a deixassem. Menos em si mesma. Como na filosofia, onde o termo "coisa em si" representa tudo aquilo que existe, mas não pode ser experimentado, já que não se toma conhecimento de sua existência tornando-o um objeto. Para ela, talvez a vida fosse assim mesmo. Nasceu em uma cidade qualquer, a qual mantinha um ódio desde o primeiro choro ao ar livre. (Aliás, como são raras as pessoas - jovens - que estabelecem uma relação boa com sua cidade natal. E os que dizem odiar usam argumentos tão inúteis que em qualquer outro lugar se pode encontrar os mesmos). Os pais se separaram quando ainda não tinha cabelo suficiente para usar aquelas xuxinhas que vovó sempre quis ver de enfeite na neta. Na escola era muito educada, obrigada. Cheia de carisma num sorrisinho frágil e perninhas curtas, quase sempre se via o joelho ralado pelo excesso de brincadeira. Mas ninguém se atrevia a chegar perto da caixa de lápis-de-cor, aquelas com 24, apontados simétricamente. Gostava tanto do verde-água que quase nunca usou. Eram para as ocasiões especiais. Como naquele desenho feito um dia depois da primeira vez que foi ao circo. Plantaram um girassol inteiro dentro de você, minha pequena? Sim, plantaram, regaram e guardaram para todos os verões.

Se formou com apenas 21 anos de idade. A família carregava um semblante de orgulho. Nossa moça formada tão cedo, tão capaz, tão culta! Pobres amadores da vida, mal sabem que essas obrigações são tão quebradiças perto do que nos provocam certas emoções. Se eu matar meu vizinho, meus caros, a esposa não se importará se sou fluente em três línguas e dialetos diferentes. É preciso de muito mais cuidado. Um amor mal resolvido fere mais que esse canudo misturado em vermelho e laranja dentro de vossas lareiras.

Mandava nas opiniões. Sabia como convencer e moldar mentes fracas. Talvez a seu favor, mas nem sempre. Acabava se confundindo cada vez mais. De tempos em tempos apareciam certos pretendentes. Charmosos, carros bonitos com aromatizantes nos bancos de trás, com os bolsos gordos de pedaços de papéis mais valiozos que folhas de bordo em bandeiras canadenses. Posso com isso, mundo? Tão humanizados e ao mesmo tempo sem entender o significado de suas próprias relações. Não gostava de viver assim sozinha, mas parecia sempre mais fácil. Só precisava de alguém que a libertasse de suas coisas, de suas "coisas em si". Seu objeto viveria, já não mais inexistente, e com nome próprio. Até poderia ser composto, antecedente de sobrenome tradicional. Fácil na pronúncia. Fácil de amar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Se eu te perguntar você me responde? De onde vem tanta criatividade?

eduarda bp disse...

Tão doce!

Anônimo disse...

Tenho vontade de roubar você pra mim.

Anônimo disse...

É tão gostoso te ler. E é tão legal descobrir que você é meio que meu vizinho, garoto.

Marcus Paulo disse...

Não se esconda mais assim, anônima.